quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

'Championship Manager' ou a ténue linha entre a glória e o fracasso


Parece-me importante começar por explicar esta foto, altamente anos 90, mas também altamente expressiva em termos de volume capilar. Da esquerda para a direita: Valderrama, clássico número 10 colombiano. Ao centro, René Higuita, autor daquela que é para muitos, a melhor defesa de sempre que podia ser número de circo. E à direita, o senhor que me fez escrever estas linhas hoje; Leonel Álvarez. O nome é desconhecido para muitos, certamente, à primeira. Mas se eu disser que era um dos melhores DL/ML do Championship Manager 2, alguns já o devem reconhecer. 

Leonel é apenas um de muitos nomes que povoam a nossa imaginação ou conversas de café entre velhos amigos, sobre aquele 11 que nos levou à glória em 1997, na segunda época no Real Madrid, ou quando pegámos num Aberdeen desta vida e em cinco anos o levámos à final da Champions, algo que contamos quase com uma lágrima no canto do olho e nos leva à típica frase "estás a dar-me vontade de jogar". Mas vamos situar a conversa. Estamos em 1996 e recebo o meu primeiro computador na vida. Até então, resumia-me a golos marcados sempre do mesmo lado nos velhos FIFA´s, na MegaDrive, alguns alugados ali no clube de vídeo do fundo da rua, que hoje é uma mercearia de indianos. Quando chegou o computador novo aqui a casa, chegaram também três jogos, generosamente gravados em várias disketes (para os mais jovens, consultem a wikipédia), compactadas em .arj pelo meu amigo PE: o 'Nascar', o 'Sensible Soccer' e...o Championship Manager. A primeira tentação foi o Nascar. Écran grande, máquina nova, a vontade era ver movimento e cor. Mas não me cativou. Depois o Sensible Soccer. A alegria de ter as equipas com nomes reais, a bola a rolar, o passe, o remate. Já havia ali algo mais atractivo. E no fim, o 'CM'. Era a Liga Italiana, com o grande AC Milan de Simone, Savicevic e do autor do meu primeiro golo de sempre no 'CM': Massaro! Inesquecível! Podem perguntar-me o nome das minhas professoras da primária, da primeira nota que tive na universidade, que nunca me vou lembrar, mas daquele momento..."Passe longo de Savicevic. Massaro recebe (Pausa. Aquela que nos metia o coração a mil. Vocês sabem do que estou a falar.) e marca! Golo do AC Milan!". E ali nasceu uma paixão. Os meus pais entravam no quarto e viam-me a olhar para o écran, com uma fotografia parada e uma pequena legenda em baixo a mudar. A questão é aquela que me acompanhou vários anos: "Mas o jogo e só isso? Não tem bonecos? Como és capaz de passar tantas horas nisso?". A todos ignorei com uma paciência estilo Capello/Artur Jorge, que é um misto de mal encarado com pachorrento. 

Os anos passaram e o 'CM' (isto ainda vai aparecer nas buscas de quem procura o Correio da Manhã no google) foi crescendo. Primeiro passou a oferecer o campeonato espanhol. Aí foi o auge (pensava eu). Brian Laudrup a fazer 92 assistências numa época, Sandro Fumero, um médio de excelência, Raúl, o matador com 60 golos num ano, Bodo Illgner o melhor guarda-redes do jogo e...Leonel Álvarez. É aqui que este desconhecido colombiano se torna uma estrela para mim. Muito antes de Tó Madeira, Tsigalko, Bakayoko, Aghahowa, Adu, Guarín, houve Leonel. Ele era defesa-esquerdo ou médio. A média andava sempre a bater nos 9.0. Algumas vezes encostava o Roberto Carlos. E a partir dali, nasceu um mito. 

A descoberta deve-se ao meu amigo A. que num belo save entre Manchester United e Newcastle, disputado durante várias semanas mal saíamos da escola, apostou neste rapaz e o fez conhecido. A mim deu-me muito jeito quando treinei o Real Madrid (pela última vez entre 'CM/FM', diga-se). Depois veio a ligação pelo Newcastle de Ginola, Phillipe Albert, Beardsley, Ferdinand e Shearer, que me fez ir à P.Espanha comprar uma camisola alternativa falsa do clube de St.James Park, azul, com a sombra do centro de Newcastle no meio das riscas preta e branca. 

Em 1999 o 'CM' traz várias ligas e torna tudo em delírio. Lembro-me como se fosse hoje, do meu amigo JC aparecer na sala de aula e dizer: "Tiago, já sabes?? o 'CM' vai ter bué ligas para escolher e jogar!". Ali percebi que o mundo nunca pára e afinal havia algo bom para além da miúda de Artes que se tinha metido comigo numa visita de estudo. Aulas seguidas a fazer tácticas enquanto as professoras davam a matéria. Nomes e nomes anotados em cadernos que ainda hoje tenho religiosamente guardados, para ir ver e tentar comprar mal chegasse a casa. 

Até que em 2004 chega a evolução do 'CM'. Por entre uma história de negócio e mudança, a saga muda para 'Football Manager' e passamos a ver o jogo em 2D, numa forma a que carinhosamente chamávamos de 'caricas'. E  ali, já com a internet e o online presentes na nossa vida, seguiram-se muitos, muitos saves míticos. Histórias que davam livros mas deixo aqui apenas uma e vivida com o meu companheiro de Webesférico, Pedro Gabriel, num Barça (Eu) - Real Madrid (Pedro) em 2006:  Final da Champions e este jogo incrível entre os dois...4-2 para o Real ao intervalo...4-4 no fim dos 90 minutos...6-4 no fim da 1ª parte do prolongamento para o Real...6-6 conseguido por mim aos minuto 120 com um auto-golo e 7-6 ao minutos 121! E tudo sem caricas, nem 3D. Tudo vivido lendo apenas a legenda e o comentário a piscar a cada golo. Murros na mesa, saltos de alegria, a passagem da festa à incredulidade, nos minutos 120 e 121.  No fundo, a essência do jogo 'manager' e daquilo que é mais bonito no futebol: a ténue linha entre a glória e o fracasso.


Tiago Soares

4 comentários:

peter disse...

O golo do Sérgio Ramos e, logo a seguir, o do Júlio Baptista.

Havemos de ser carcaças e lembrar esta final mítica.

João Tiago disse...

Até chorei. Só me fez lembrar quando levei o Sestão (equipa das divisões secundárias de espanha, mas como equipava de verde e preto, escolhi sem hesitar) a vencer a Taça Uefa. Mítico.

Anónimo disse...

Parece-me que o Real e o Barça precisam de treinar essas defesas...

Ademais, gostaria de dizer que o Júlio Baptista foi um dos jogadores mais sobrevalorizados de todos os tempos!

Bom artigo Tiago : ) fico agora à espera de um artigo acerca dessa miúda de artes...

Para mim o CM começou a desaparecer quando surgiu o 2D e o jogo se tornou mais complexo... ainda hoje, como sabes, volta e meia jogo um bocado de CM 2001/02 e continuo convencido que é a melhor versão do jogo de sempre. Os lances são sempre mais realistas na nossa cabeça, não haverá motor 3D que substitua isso.

Enzo Perez picks up the loose ball.

Enzo moves forward with the ball.

Enzo tries to dribble clear of Dier.

He makes space for himself.

Enzo bends it from long range!

GOAL FOR BENFICA ! ! !

JC

Anónimo disse...

Meus amigo, que viagem! Obrigado por este refrescar! grande abraço.